Verdadeiramente aquele que olha o espelho da água vê em primeiro lugar sua própria imagem. Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe, ou seja, aquela face que nunca mostramos o mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator. Mas o espelho está por detrás da mascara e mostra a face verdadeira.”

Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior, uma prova que basta para afugentar a maioria, pois o encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que evitamos, enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta. Se formos capazes de ver nossa própria sombra e suportá-la, sabendo que existe, só teríamos resolvido uma pequena parte do problema. Teríamos, pelo menos, trazido à tona o inconsciente pessoal. A sombra, porém, é uma parte viva da personalidade e por isso quer comparecer de alguma forma. Não é possível anulá-la argumentando, ou torná-la inofensiva através da racionalização. Este problema é extremamente difícil, pois não desafia apenas o homem total, mas também o adverte acerca do seu desamparo e impotência. Às naturezas fortes – ou deveríamos chamá-las fracas? – tal alusão não é agradável. Preferem inventar o mundo heroico, além do bem e do mal, e cortam o nó górdio em vez de desatá-lo. No entanto, mais cedo ou mais tarde, as contas terão que ser acertadas. Temos, porém que reconhecer: há problemas simplesmente insolúveis por nossos próprios meios. Admiti-lo tem a vantagem de tornar-nos verdadeiramente honestos e autênticos. Assim se coloca a base para uma reação compensatória do inconsciente coletivo; em outras palavras, tendemos a dar ouvidos a uma ideia auxiliadora, ou a perceber pensamentos cuja manifestação não permitiríamos antes. Talvez prestemos atenção a sonhos que ocorrem em tais momentos, ou pensemos acerca de acontecimentos ocorridos no mesmo período. Se tivermos tal atitude, forças auxiliadoras adormecidas na nossa natureza mais profunda poderão despertar e vir em nosso auxílio, pois o desamparo e a fraqueza são vivência eterna e eterna questão da humanidade.
Jung Os Arquétipos e o Inconsciente.