O presente artigo trata-se de uma abordagem contemporânea. A proposta é relacionar o estudo da psicopatologia e o conceito de periculosidade. Um olhar mais atual sobre essa questão.

A periculosidade é um construto, criado historicamente pela manifestação do sujeito para consigo mesmo e com os outros, e o binômio jurídico-psiquiátrico, que é um poder-saber que condiciona a percepção do criminoso com um caráter preventivo.

A esfera jurídica “busca a solução científica do problema, isto é, numa análise psiquiátrica do criminoso a que deve reportar-se, após examinar todas as medidas de prevenção” [1]. Logo, pelo modelo psiquiátrico tradicional, que já tratavam seus loucos em hospitais (que não eram de Custódia) como em prisões de guerra,o saber psiquiátrico já atribuía a periculosidade até mesmo aos loucos que não cometiam crimes, pois, eram trancafiados e expurgados, para o bem da sociedade, como bem conta a História da Loucura.

A ideia de periculosidade tem um possível alicerce na noção de metánoia, (ideia de origem platônico-cristã que relaciona penitência como produção de mudança “[2]). Através deste conceito, o ideal de reabilitação dos indivíduos encarcerados em penitenciárias, segue esta tendência da produção histórico-subjetiva deste termo.

O tema escolhido para este estudo é a relação entre psicopatologia e periculosidade , bem como sua cessação, já que cada termo segue um encadeamento lógico, processual, digamos assim, pois, trata-se de ações e reações, onde há o entrelaçamento de saberes jurídicos e psiquiátricos, já que são avaliados o criminoso, seu delito e sua própria compreensão do mesmo.

Conforme o artigo 26 do Código Penal, que versa sobre a inimputabilidade, ao sujeito que não entender o caráter ilícito do fato, devido à condição de doença mental ou retardo, cabe as medidas de segurança, a internação imposta, conforme o:

Art. 97 – Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Prazo

§1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

Perícia médica

§2º – A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

Desinternação ou liberação condicional

§3º – A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.[3]

Então adentrando ao tema da Periculosidade, vemos que o aspecto jurídico busca apoio no saber psiquiátrico, já que, através da história, foram instituídas coletâneas de nosografias, onde são delimitadas noções básicas sobre o que é patológico, para proteger aquilo que é tido como normal, desde a nau dos loucos, passando pela criminologia lombrosiana.

Nos dias atuais, o saber dos comportamentos inadequados, criado em diversos manuais, dará norteamento para definir a psicopatologia. Mas, estará a periculosidade dentro dos transtornos psiquiátricos? É uma pergunta controversa e difícil de ser respondida, pois, se há absolvição, então, não há periculosidade na psicopatologia, entretanto, a Justiça visa sempre a não reincidência do delinqüir,ou seja, é uma questão de proteção social, portanto, a questão passa a ser:

Em que se diferenciam, então, periculosidade e capacidade de delinqüir? Esta questão mostra-se fundamental para compreendermos o dispositivo que se instaura em torno dos loucos-criminosos, que são paradoxalmente absolvidos e submetidos a uma sanção penal indeterminada em sua duração, justamente por ser tal procedimento fundamentado na periculosidade.[4]

No nível da construção social, que é composta por sujeitos que interagem em uma rede lógica de linguagem, onde práticas são criadas, e depois comunicadas para serem estruturadas e fixadas nas relações humanas, então, vemos a criminologia atravessada pelo discurso social, que é iniciada e elaborada pelo Sujeito.

A noção de periculosidade significa que o indivíduo deve ser consideradopela sociedade ao nível de suas virtualidades e não ao nível de seus atos; não ao nível das infrações efetivas a uma lei efetiva, mas das virtualidades de comportamento que elas representam.[5]

Há ainda interferências abusivas dos discursos da mídia informativa, que quando o assunto televisionado é entre loucos infratores e a periculosidade, ocorrem manipulações das informações, onde a sociedade recebe-as de forma deturpada, bastante alegórica, e então fica a “significação social do crime reduzida a seu uso publicitário”[6] instruindo mal a população, que massivamente segue o apresentado.

Podemos pensar que a linguagem e a comunicação, ao longo da história, traçaram formas de subjetivar a noção criminológica, principalmente, quanto ao caráter da periculosidade, e tal enredo, é feito de sujeito a sujeito, que compõem o social.

Sendo assim, conforme toda exposição anterior, o laço que une a psicopatologia e a periculosidade é a relação histórica e discursiva da psiquiatria com o conhecimento jurídico. Contudo a motivação desta junção está nos ideais de cientificidade em modificar o fenômeno controlando o problema, trancafiando-o. Isto não se concretiza, ademais há contradição em aprisionar aquele que deve receber tratamento. Portanto, é pertinente a crítica sobre toda tentativa de aliar a psicopatologia à periculosidade, pois, tratam-se apenas de discursos de sujeitos que compõem a sociedade, onde, a objetividade é mera aparência, pois, o que existe é a virtualidade criada pela relação discursiva entre sujeitos, possibilitada e atrelada nas cadeias significantes da Linguagem.

REFERÊNCIAS:

[1] LACAN,Jacques. Escritos.Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia.Jorge Zahar, Rio de Janeiro.1998.135pp

[2] FOUCAULT,Michel. A Hermenêutica do Sujeito.Martins Fontes, São Paulo. 2010. 190pp

[3] BRASIL. Lei nº 2.848 de 07.12.1940 alterado pela Lei nº 9.777 em 26/12/98. Código Penal. Editora América Jurídica. 2ª edição, Rio de Janeiro.2005.39pp.

[4] PERES, M. F. T. e NERY, Filho, A.: .A doença mental no direito penal brasileiro:inimputabilidade, irresponsabilidade,periculosidade e medida de segurança..História, Ciências, Saúde . Manguinhos,Rio de Janeiro, vol. 9(2):335-55, maio-ago. 2002.349pp.

[5] FOUCAULT,Michel. As verdades e as formas jurídicas. 3aEd. Rio de Janeiro: Nau Editora; 2003.85pp.

[6] LACAN,Jacques. Escritos.Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia.Jorge Zahar, Rio de Janeiro.1998.147pp.