Do interior de um território, só conhecemos mesmo nossas próprias fronteiras”. Jacques Lacan

INTRODUÇÃO:

Iniciamos este artigo abordando o fim da relação que leva alguns indivíduos à perversão do amor, seja ele de natureza conjugal ou parental. Se o individuo precisa ser amado para “ser”, a falta de amor do parceiro e o rompimento da relação provocam reações de intensa carga destrutiva. Vemos, por exemplo, crimes passionais e em processos tramitando em Varas de Família que ilustra o “enlouquecimento” diante da perda do amor.

O amor não sobrevive quando somente um dos parceiros quer continuar a relação. No início de um relacionamento amoroso, é comum que as qualidades dos parceiros sejam semelhantes, e o que não for: há quem acredite poder modificar, as características que pareçam indesejáveis.

DA SEPARAÇÃO:

A separação sempre deixa estigmas e questionamentos, para quem não aceita o fim da relação. Há uma expectativa do que pode vir após a separação. Uma das partes terá que deixar a zona de conforto, quando não há o consentimento. Quem não aceita a separação tem maior dificuldade em lidar com a cisão. Para algumas pessoas há, inclusive, “perda da identidade”, que por algum tempo, passou a ser uma identidade unificada – que surgiu a partir do momento que ambos fizeram projetos de vida juntos. Por mais intenso, que seja o sentimento pelo o parceiro, o amor que cada um sustenta dentro de si deve sobrepôr as barreiras da desilusão. A autoestima intensa é o oxigênio que não deve se escassear. Vale lembrar a canção de Paulinho Moska: “Tudo o Que Acontece de Ruim É Para melhorar!” Muito embora, estamos sempre tendo a oportunidade de melhorar, pois somos seres em mutação constante. Por mais que tentamos resistir às mudanças inerentes à vida, não conseguimos frear o ciclo da vida. E dentro dessa “máxima”, que se é capaz de buscar respostas para continuar a caminhada.

“A separação conjugal provoca um desequilíbrio de energia em nosso psiquismo onde toda a libido que era direcionada ao objeto amoroso deverá ser redirecionada a um novo destino.” (NAZIO, citado por FERREIRA, 2010). No entanto, o rompimento de uma relação é impulsionado e vivido de maneiras diferentes em cada indivíduo, posto que somos seres singulares, podendo cada um vivenciar, com maior ou menor grau de intensidade o fim da relação.

Para alguns, mesmo percebendo que o amor já se dissipou, que o ex-parceiro quer construir uma nova história, escolhe manter o relacionamento na “vitrine” como penhora de que esse script poderá ser transmutado.

“Em muitos casos, somente no momento em que perdemos esse objeto amoroso ou somos ameaçados de perdê-lo é que nos é “revelado”, de maneira bastante dolorosa, a intensidade dessa ligação”.(FERREIRA, 2010).

Entretanto, ficar negando a realidade só fará sofrer aquele que não aceita o fim do relacionamento. Ficar na ilusão de que algo poderá mudar, só trarão mais desafetos e mágoas sobre o ex-parceiro. O que fazer, então, diante do fim, que o outro impôs?

Busque examinar o que o amarra a um amor que não existe mais. Em muitos casos o indivíduo se vê como um refugo – não acredita ser capaz de refazer a sua história, como se aquele relacionamento fosse alfa e ômega.

DA PERDA, A CULPA E O LUTO:

“Os sujeitos são acometidos por perdas das mais variáveis, difíceis de metabolizar: perdas econômicas, de estabilidade, segurança. Tendo que lidar com a dissolução de vínculos e investimentos feitos no ex-parceiro.” (MATIOLI, 2011). “Podendo — ou não — serem acompanhadas de sentimentos de abandono, culpa, desamparo, falha, fracasso, frustração, impotência, remorso, solidão, entre outros.” (LOSSO, citado por MATIOLI, 2011).

A culpa é como uma ferida narcísica que fica exposta (“ad eternum”) eternamente. É preciso compreender que uma relação não acaba por causa de um só, mas é no espaço entre os dois que se incorporam as diferenças com que uma das partes não queira mais seguir no mesmo caminho. A partir daí surge na consciência, que a história, a parceria, o desejo, e as mesmas visões e projetos que ambos tinham antes acabou, mesmo que seja apenas para uma das partes – resta à outra conviver com a realidade e buscar se reinventar.

Quando um casal se separa, diferentes emoções de intensidades diversas atingem ambos os cônjuges. Lemaire (2005) “constata que alguns sujeitos buscam desesperadamente manter o modelo fusional presente nas etapas precoces da vida em cada relação amorosa que estabelecem e ficam incapacitados de fazer um trabalho de luto após seu rompimento. Quando isto ocorre, vivem a dor de uma ferida narcísica e colocam em questão sua capacidade de ser amado, duvidando de seu próprio valor. O ressentimento e o ódio pela perda das ilusões depositadas no casamento ou no parceiro provocam um desejo de aniquilar o outro”.

Inevitavelmente passamos por muitas fases de luto na vida e, na melhor das hipóteses, esse processo de separação pode representar um convite para nos repensarmos amplamente, reinvestirmos nossa energia e olharmos de forma diferente para nós mesmos.

CONCLUSÃO:

“A capacidade de reparação depende, segundo Cleavely (1994), da maturidade dos sujeitos e de sua possibilidade de separar os conflitos relativos a seus mundos internos dos conflitos decorrentes de experiências compartilhadas. Neste sentido, a ruptura da relação poderá gerar soluções criativas em lugar de intensificar movimentos destrutivos.” É necessário trabalhar a ferida narcísica da culpa, do ódio, da desilusão e do desejo de aniquilar o outro, para que, inevitavelmente, o indivíduo volte a evoluir em uma caminhada sábia e saudável para si.

Por fim, quando o amor acaba de nada adiantará ficar em busca de uma solução. É preciso tomar consciência que para ser feliz não se pode depender do outro. Entender que insistir em prorrogar um relacionamento que já acabou só lhe transportará a mais desgastes.
É como a canção de Paulo Vanzolini: “Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima”. O amor nem na poesia rima com migalhas.

REFERÊNCIAS:

Tempo Psicanalítico – versão impressa ISSN 0101-4838 – Tempo psicanal. Vol.43 no. 1 Rio de Janeiro jun. 2011

Aulagnier, P. (1990). Observações sobre a feminilidade e suas transformações. In: Clavreuil, J. (org.). O desejo e a perversão (pp. 67-111). São Paulo: Papirus.

NAZIO, J. D. DA DOR E DO AMOR – Tradução Lucy Magalhães

BOTTOLI, C. , ANTONIAZZI, M. P., DENARDI, A. T. e SILVA, L. M. (2012). Separação conjugal: suas implicações e os desafios para psicologia. 5º Interfaces no fazer psicológico: direitos humanos, diversidade e diferença. Psicologia Unifra. pp.01-10.

FERREIRA, E. P. (2010).A separação amorosa: uma abordagem psicanalítica.Psicanálise & Barroco em revista v.8, n.1, jul. pp. 56-97.