Aristófanes nos conta que nossa antiga natureza não era tal como a conhecemos hoje e sim diversa. Os seres humanos encontravam-se divididos em três gêneros e não apenas dois – macho e fêmea – como agora. Havia um terceiro gênero que possuía ambas as características e que era dotado de uma terrível força e resistência e, além disso, de uma imensa ambição; tanto que começaram a conspirar contra os deuses. Zeus e as demais divindades viram-se então tendo que tomar providências para sanar tal insubordinação; tinham a alternativa de extinguir a espécie com um raio, como haviam feito com os gigantes, porém perderiam também as homenagens e os sacrifícios que lhes advinham dos humanos. Por outro lado permitir tal insolência por mais tempo era impensável. Resolveu-se então parti-los ao meio, desse modo não só se enfraqueceriam como também aumentariam de número. Assim foi que até hoje, divididos como estamos, que cada um infatigavelmente procura a sua outra metade.

Percebemos em nós ou nos outros, carisma, cultura, inteligência para o trabalho e tarefas afins. Admiramos habilidades para as amizades e laços sociais. Mas, quando analisamos os acontecimentos da vida amorosa pregressa, que fatalidade. Há os bem-sucedidos em vários segmentos que tropeçam em escolhas afetivas erradas, mesmo quando desde o início de cada relação percebem estar entrando novamente em escolhas incertas. “A mente desfruta de uma área livre de conflitos”, entretanto, o amor é desencadeado de um núcleo mais complexo e obscuro de onde provêm sentimentos que não escolhemos ou controlamos – vem do inconsciente de nosso Ser. Percebemos, por exemplo, que os objetos de amor, sejam o homem ou a mulher causam no outro intenso e obstinado desejo, mas também são os que mais combinam para contracenar conflitos e desencontros – nós psicanalistas, vemos isso na clínica. Não raro, as pessoas selecionam relações que irão se transformar em confusão ou vazio.

São esses acontecimentos que causam infelicidade, mas são também uma espécie de “caixa preta” que contém os segredos do desastre afetivo. Em vez de só fugir para “relações casuais” e manter casos de “alta liquidez”, é preciso abrir e examinar a “caixa preta” do coração, elucidando as causas dos desencontros e aprendendo com as experiências. Caso contrário, é viver repetindo as mesmas escolhas – a pessoa infeliz, e não analisada, a cada vez desencadeia um padrão inadequado de escolhas, mudando só os personagens da sua história. O que faz com que acabe sempre tendo de contracenar amor e dor. E há os que ainda acham que basta competência, riqueza e de quebra beleza, e o amor lhes cairá do céu.

No entanto, é preciso não se iludir e desenvolver “emoções sábias”, uma mistura de paixão e razão, destinada a intuir escolhas e evitar o fracasso repetitivo nas relações. Mas essa é uma área em que ninguém está livre de enganos e fracassos. Vale dizer: é trágico, se não fosse cômico. Aliás, quando se trata de amor, é sábio guardar uma razoável dose de bom humor, pois a espécie humana é mesmo complicada nessa área.
Devemos nos olhar com suavidade, bom-humor, sem excesso de autopiedade, mas com certo carinho por nossas imperfeições, a fim de deixar a porta aberta para a autocrítica. O que é diferente da condenação cruel e implacável que faz a pessoa se sentir incorrigível, jogando-a para a amargura, e não para a mudança.

Assim como a meta da pulsão é satisfazer-se a meta do amor é encontrar-se. Quando a intuição e/ou experiência não consegue corrigir escolhas: é aconselhável fazer análise, e, investigar, que tipo de paixão nos encontra, para onde nos leva e o que revela sobre nós mesmos? A paixão sem a razão é cega, mas a razão sem a emoção é sinistra: só temos a ganhar com esse equilíbrio.
Mas que ninguém acredite acertar no alvo: o único par amoroso ideal é o par imperfeito. A história de alma gêmea é uma fantástica-fantasia, é certo que, almas foram feitas ao mesmo tempo para o encontro e a discórdia. Só após admitir que seja inviável concretizar sonhos irreais é que estamos mais maduros a conviver e amar alguém real: nosso par imperfeito, singular, consciente que não existe o amor ideal, mas aliado ao desejo recíproco de viver juntos aquilo que é inerente à condição humana – o bom, o mau, o feio e o bonito.