A possessividade pode implicar no desejo que algumas pessoas têm de trair.

O Ser do homem não pode ser compreendido sem sua loucura, assim como não seria o ser do homem se não trouxesse em si a loucura como limite de sua liberdade. Lacan

Segundo o “Dicionário Houaiss”, ciúmes é um estado emocional complexo que envolve um sentimento de que se pretende amor exclusivo; receio de que o ente amado dedique seu afeto a outrem; zelo; medo de perder alguma coisa. O ciúme é um estado de desassossego, de agitação mental, que surge por efeito de suspeitas (infundadas ou não) de infidelidade sexual ou afetiva, ligada diretamente ao fracasso do gerenciamento da perda do espaço, do “colo”, da atenção e carinho. Esse gigante estragado da alma se engendra não somente nas relações amorosas, mas por entre filhos, amigos, objetos, intelectualidade, coisas, sistemas, trabalho.

O ciúme, por muitas vezes é confundido com o tão sonhado amor do parceiro – sentimento doloroso, forte, intenso e dominador que toma rumos desconhecidos e pode surpreender de forma prejudicial a quem está dominado por ele, e ao seu alvo. Os perfis que se destacam com frequência – são em grande parte, adolescentes e jovens que não têm tolerância com os desencantos inerente à vida, não obstante, nem todos reconhecem, o ciúme que sentiam de seus parceiros (as).

A pessoa ciumenta é predominantemente um Ser com baixa autoestima, inseguro de suas competências, e se opõe extraordinariamente as perdas reais ou ilusórias que vivência, espalhando uma pesada carga emocional entre as pessoas as quais convive, a ponto de chegar a uma verdadeira obsessão psíquica e possessividade do Outro.

O demônio é plural. Quando o demônio é repelido, quando finalmente lhe impus silêncio, um outro levanta a cabeça ao lado e começa a falar. A vida demoníaca de um enamorado parece com a superfície de uma solfatara; bolhas enormes (quentes e pastosas) estouram uma atrás da outra; quando uma se desfaz e se acalma, retorna à massa, uma outra, mais longe, se forma, cresce. As bolhas “Desespero”, “Ciúme”, “Exclusão”, “Desejo”, “Conduta Indecisa”, “Medo de perder o rosto” (o mais malvado dos demônios) fazem “ploc” uma atrás da outra, numa ordem indeterminada: a própria desordem da Natureza (BARTHES, 1984, p. 125).

A possessividade nesse caso se relaciona em poupar o amor. Porém, quando ela estabelece as bases da relação, a qualidade de afetividade dentro da relação entra em declínio e a proporção de infelicidade e de descontentamento podem se alterar no limite do insuportável – desencadeando não só a violência contra o parceiro como também contra si próprio. Por quê? Porque pessoas que constroem um relacionamento encarcerado podem acabar prisioneiros de seu próprio cárcere.

O ciúme controlado é natural, em relação a cisma que se tem em perder o objeto amado. Ocorre uma dor narcísica, racional, mas transitória. Não há erro em sentir ciúmes, pois em uma relação amorosa, dizer que não sente ciúmes pode ser percebido por falta de amor e interesse. Portanto, em um relacionamento se sente ciúme, porque, àquela pessoa é especial para aquele que a ama – o parceiro se envolve emocionalmente e vai construindo sonhos e objetivos comuns que não se quer perder, pois a perda do Ser amado implica em dor -, tanto no que investimos quanto nos sentimentos que recebemos. A cisma é de perder o objeto amado e não aquela pessoa em especial.

Há na condição humana um desejo de controlar, mas esse desejo é humano, podemos encontrá-los em vários tipos de relações afetivas, por exemplo, nos pais com os filhos, filhos com os pais, parceiros que controlam parceiras, e o seu contrário também, parceiras que controlam parceiros. Quando nos referimos aos parceiros, a possessividade, ou o índice de desconfiança de um sujeito em relação ao Outro, pode ser pelo desejo de conhecer o novo, às vezes até inconsciente, experimentado pelo sujeito que manifesta o ciúme. Óbvio, que pela cisma de que o Outro possa trair referenciando a própria vontade de trair da pessoa cismada. O sujeito projeta o seu desejo no Outro e daí constrói um cárcere para ele. Entra em jogo o inconsciente. O possessivo controla o Outro para controlar a si próprio.

É um jogo de inconscientes ou mesmo até consciente, dependendo, do grau de entendimento dos envolvidos. O Outro pode  aceitar ser controlado por compactuar das mesmas razões. Pensa: “Sabe… creio que não seja tão ruim assim, que o Outro me controle, porque se eu me sentir tão livre posso embarcar na liberdade total...” Percebe-se, que no fundo muitos parceiros até desejam ser controlados, para não acontecer de chegar, no limite, a uma negligência consigo próprio. Lacan diria: “O sujeito só tem consciência de si, a partir do Outro. Isto é formalizado por Lacan como o gozo do Outro”. (…) “Se o gozo do amo é de se submeter ao escravo e Lacan diz que é o escravo que se submete ao amo, Lacan formaliza isso como gozar do Outro”. O sujeito encontra seu gozo no Outro.

A partir do momento que o sujeito assumir o seu próprio desejo ficará mais fácil confiar no Outro. Quem sofre de ciúmes sofre tanto psíquico quanto físico, por isso, é possível encontrar a causa do descontrole e além de encontrar suas causas, elaborar e promover mudanças no comportamento, mas principalmente no amadurecimento do ego, da autoestima, da segurança emocional e confiança pessoal. Esse é o caminho para que o ciúme e a necessidade de controle sejam remanejados – sendo assim, a qualidade da relação amorosa passa a ser melhor. Mas, trata-se de um assunto, que se resolve interiormente. Somente a pessoa pode se decidir no sentido de fazer uma evolução transformadora e determinar-se a dizer não ao cárcere dos seus sentimentos.

 Referências:

MILNER, Jean-Claude. A Obra Clara ? Lacan, a ciência, a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

MILLER, Jacques-Alain. Los signos del goce. Buenos Aires: Paidós, 1998.

LACAN, Jacques. O Seminário ? livro 20 Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1975.

BARTHES, Roland. Fragmentos de um Discurso Amoroso. 4ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984.

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.