A Esquizofrenia do Ponto de Vista da Psicanálise.

“O instinto de amar um objeto demanda a destreza em obtê-lo, e se uma pessoa pensar que não consegue controlar o objeto e se sentir ameaçado por ele, ela age contra ele”.
(Sigmund Freud)

O presente artigo tem como objetivo discutir a respeito da esquizofrenia, sendo esse o aspecto da patologia, como a estrutura do pensamento psicótico. Tendo em vista, que o presente artigo é parte de pesquisas científicas.

O termo esquizofrenia foi estudado e criado por Bleuler (1911) para qualificar um certo número de psicoses da qual a unidade tinha sido exibida por Kraepelin reunindo-as no capítulo – “demência precoce” e distinguido nelas três ordens que se tornaram clássicas: a hebefrênica, a catatônica e a paranóide.

Bleuler aspirava pôr em evidência o que, para ele, constitui o sintoma essencial das psicoses: a “Spaltung” (dissociação). O termo introduziu-se na psiquiatria e na psicanálise, mesmo havendo muitas divergências de estudiosos da área – referente a veracidade da esquizofrenia -, da sua especificidade – e, também, referente a extensão do quadro nosográfico.

Diante do feitio crônico da doença, que evolui segundo os mais diversos ritmos, a caminho, de uma deteriorização: intelectual e afetiva; procedendo, muitas vezes, em estado de demências. A demência constitui para a psiquiatria um traço determinante para o diagnóstico da esquizofrenia.

Freud, a partir de seus estudos, sobre a psicanálise contribuiu e designou, muitas indicações, referente a esquizofrenia. Apontando sobre o funcionamento do pensamento e da linguagem. Pode-se dizer que, o trabalho de determinar e demarcar essa estrutura, continua na competência de seus sucessores.

Dando seguimento ao artigo sobre a esquizofrenia, abordaremos, a construção da estrutura a influenciar o comunicado da esquizofrenia.

De acordo com o Compêndio de Psiquiatria de Kaplan et. al., o avanço da medicina nos últimos anos, tem possibilitado um bom desen-volvimento acerca do entendimento das bases fisiológicas da esquizofrenia. Entretanto, conforme o autor mesmo compreende:

“…a medida que se aprimoram os tratamentos farmacológicos e uma base biológica sólida para a esquizofrenia é amplamente reconhecida, há um aumento no interesse pelos fatores psicossociais que afetam a esquizo- frenia, incluindo aqueles que podem afetar o início, recaída e resultado do tratamento.”(Kaplan, 1999, p. 439).

A partir da escrita deste autor é possível perceber que, apesar dos avanços da indústria farmacêutica a respeito desta patologia, mesmo estando nós, situados no século XXI, os profissionais médicos ainda lidam com a incógnita das causas, do curso e das conseqüências da doença em cada sujeito.

E com aprovação do Compêndio de Psiquiatria, que utiliza-se a classificação das doenças de acordo com o DSM IV.

Laplanche e Pontalis em Vocabulário da Psicanálise (1992, p. 158) consideram que tal quadro nosográfico conceituado por Bleuler impôs-se tanto em psiquiatria como em Psicanálise, mesmo que houvesse e ainda existem divergências quanto ao modo como a doença se apresenta.

Através do entendimento de Bleuler, Kraepelin, bem como de outros estudiosos, buscaram contribuir para que a humanidade compreendesse a amplitude do quadro psicopatológico esquizofrênico. Em ligação ao enten-dimento fisiológico da medicina, a psicanálise trouxe suas importantes contribuições para a busca da compreensão do que ocorre nas psicoses, e em especifico, na esquizofrenia.

Assim como explicitado por Kaplan et. al. (1999), Laplanche e Pontalis (1992) também consideram que a principal característica da pato-logia esquizofrênica é a cisão ou dissociação (Spaltung) e que há um grande número de formas de manifestação desta doença, sendo que o que diferencia um quadro do outro, porém ainda situa o doente no campo desta afecção é:

…a incoerência do pensamento, da ação e da afetividade, o afastamento da realidade com um dobrar-se sobre si mesmo e predominância de uma vida interior entregue as produções fantasísticas (autismo), uma atividade deli-rante mais ou menos acentuada e sempre mal sistematizada. (Laplanche e Pontalis, 1992, p. 158)

Mesmo estando situadas no campo das psicoses, há diferenciação entre a esquizofrenia e a paranóia, onde nesta segunda forma de manifes-tação patológica ocorre a eleição de um objeto perseguidor, que passa a justificar a existência do indivíduo em uma luta constante contra um outro construído por ele mesmo, um estrangeiro que o ameaça constantemente, mas que dá sentido a sua existência. Para Aulagnier (1979), enquanto o refugio do paranóico é a perseguição, na esquizofrenia é o autismo que o sustenta (Aulagnier, 1979, p. 251), e este autismo é fundamentado na realidade própria criada pelo sujeito esquizofrênico.

Piera Aulagnier, a partir de sua experiência clínica com sujeitos psicóticos, bem como do conhecimento da história familiar destes pacientes, postula que, além da presença de outras características, o fundamento do conflito nas psicoses se situa no interior do eu, entre as dimensões identi-ficada e identificante, ou seja, entre o Eu pensado e o Eu pensante.

Para a autora, compreender tal patologia psíquica, é necessário nos atentarmos aos conflitos decorrentes da fase oral, principalmente no momento em que o Eu do sujeito se encontra com seu ego especular. Este é o momento crucial em que o Eu sofre uma forte fratura em sua forma estrutural, pois neste estágio a parte identificada deve suprir a parte iden-tificante para que haja, assim, a assunção jubilosa de si.

No sujeito psicótico, ocorre um acidente neste ponto do percurso da constituição psíquica. E isto ocorre porque, anteriormente, a relação deste Eu em construção com o Eu materno, apresentou algumas situações conflituosas.

Dessa forma, para Aulagnier o conflito psicótico pode ser resultante de uma falha no discurso parental reservado a este novo sujeito, o bebê que se insere no meio familiar. Desde o inicio, o discurso dos pais enuncia o lugar esperado que se deseja que o bebê ocupe e é “…esse discurso que começa por ser dirigido não a ele mas ao personagem que ele encarna na cena familiar, que terão que constituí-lo como sujeito” (Aulagnier, 1990, p. 12).

Desse modo, todos os sujeitos humanos – independente da consti-tuição psíquica que puderem apresentar – nascem imersos neste conjunto de enunciados que os colocam em um determinado lugar esperado na cena familiar e na cultura a que pertencem.

Vejamos, nessa estrutura, o psicótico será o sujeito que receberá este discurso de um modo mal-entendido e por isso, sofrerá com a distorção das mensagens recebidas acerca de sua origem e seu existir. É por esta razão, por esta fratura funda-mental que Aulagnier adverte que na análise de psicóticos “…o Ego daquele que nos fala está engolfado numa falha, numa brecha real no Outro (a mãe para nomeá-la) e que é no fundo desse abismo que teremos que procurá- lo”(Aulagnier, 1990, p. 13).

Então, compreende-se que estes sujeitos não se incluem na razão de uma cena inteligível, o lugar reservado a ele é confuso ou muito frágil para ser sustentado, impossibilitando um solo fértil para que o Eu possa se constituir, se não com fragilidade.

No que tange a relação do psicótico com o corpo, especificamente na esquizofrenia, Birman (1990) comenta a partir da leitura do caso Schreber que: “A leitura inaugural da experiência esquizofrênica é a ruptura na estrutura do ego como totalização de representação do corpo sexual, na medida que nesta psicose o sujeito se encontra completamente fundido no corpo sexual do outro” (Birman, 1990, p. 124).

Assim, é possível compreender que a partir da falha transmitida pela mãe no reconhecimento do Eu-corpo-outro, o psicótico, e mais especificamente, o esquizofrênico buscará sobrevivência a partir da lógica do reinvestimento de um corpo que não pode ser reconhecido como limitado, mas sim como um composto de fragmentos cujos limites se desconhece.

O psicótico esquizofrênico não se re-conhece quando está em surto – poderá ver o Outro como alguém que o ameaça, podendo vir a se defender desse Outro de forma fatídica.

image

Abordaremos uma “metáfora” para explicitar o comportamento da estrutura psicótica. Em dado momento a analisanda disse:

“Sinto-me ansiosa e com um pouco de medo – quando penso em vir para a terapia. Sabe o que acontece ao sair do consultório? Tenho a impressão de que as pessoas estão lendo os meus pensamentos – e as queixas que fiz a analista. As pessoas me olham – sinto que elas podem entrar no meu pensamento e descobrir tudo sobre mim… Elas pensam que sou louca”.

A partir desses pensamentos, Tausk, que é um importante estudioso referente a esquizofrenia percebe que nesta constituição psicopa- tológica há uma perda nos limites do ego. Segundo relato a partir de sua experiência clínica, relata que:

“Os doentes se queixam de que todos conhecem seus pensamentos, que não estão estes fechados na cabeça, mas espalhados sem limites pelo mundo, de forma que se passam simultaneamente em todas as cabeças. O doente perdeu consciência de ser uma entidade psíquica, um ego possuindo seus próprios limites”. (Tausk, 1990, p. 54)

No deslocamento e indiferenciação entre o Eu e o Outro – próprio do processo originário de funcionamento mental, o mais primitivo modo de funcionamento, conforme postula Aulagnier (1979). O esquizofrênico tem um Eu constituído e por isso sabe que existe seu Eu e o não-Eu, o seu corpo e o corpo materno, porém seu Eu não tem autonomia, por isso, a dificuldade em estabelecer limites entre corpo e outro, sujeito e objeto.

Tausk, a partir do raciocínio de Aulagnier, referente a posição dessa estrutura, compartilha, que, desde a infância, a força estrutural do ego também é representada pelo quanto este é capaz de sustentar um segredo. Tausk em seu artigo de contribuição teórico-clínica denominado Da gênese do aparelho de influenciar no curso da esquizofrenia, escreve que:

O sintoma “Fazem pensamentos no doente”, decorre da concepção infantil de que os outros conhecem os seus pensamentos. Trata-se apenas da expressão reforçada deste fato, calcada numa situação infantil ainda mais precoce, de que a criança nada pode fazer por si só, e que tudo recebe dos outros, tanto a utilização dos membros quanto a linguagem e o pensamento. (Tausk, 1990, p. 55)

É dessa maneira que o funcionamento do pensar desde a infância no psicótico/esquizofrênico tem características primitivas – começando na infância que acompanhará o esquizofrênico e, consequentemente, poderá desencadear o efeito nos quais o esquizofrênico – estará sempre prestes a se defender pelos sintomas delirante. O delírio, nesse caso, tem como função a defesa da angústia que acabam por torturar o sujeito.

Pode-se concluir este artigo, percebendo que a esquizofrenia é um quadro psicopatológico. E há muito o que se continuar pesquisando. Na realidade, é ainda uma incógnita para a medicina/ciência e também para a psicanálise. Sabe-se que há um sofrimento psíquico intenso. As conseqüências na vida desses sujeitos são inúmeras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Aulagnier, P. (1979). A violência da interpretação: do pictograma ao enunciado. Rio de Janeiro: Imago.
Aulagnier, P. (1990). Um intérprete em busca de sentido – I. São Paulo: Escuta.
Aulagnier, P. (1990). Um intérprete em busca de sentido – II. São Paulo: Escuta.
Aulagnier, P. (1991). Nascimiento de un cuerpo, origen de uma h. In: Aulagnier, Hornstein et. al. Cuerpo, historia, interpretación, Buenos Aires: Paidós, pp. 117-170.Birman, J. (1990). Tausk e o aparelho de influenciar na psicose. São Paulo: Escuta.Freud, S. (1924[1923]). Neurose e psicose. ESB, vol. XIX, 1996.

Freud, S. (1924). A perda da realidade na neurose e na psicose. ESB, vol XIX, 1996.

Kaplan, H. I.; Sadock, B. J.; Grebb, J. A. (1997). Compêndio de Psiquiatria:

ciências do comportamento e psiquiatria clinica. 7a Ed. Porto Alegre:
Artes Médicas.
Katz, C. S. (1990). O aparelho de influenciar: pequeno acompanhamento.
In: BIRMAN, J. Tausk e o aparelho de influenciar na psicose. São
Paulo: Escuta, pp. 37-7.
Laplanche, J.; Pontalis, J. B. (1992). Vocabulário da Psicanálise. São Paulo:
Martins Fontes.
Tausk, V. (1990). Da gênese do “aparelho de influenciar” no curso da
esquizofrenia. In: Birman, J. Tausk e o aparelho de influenciar na
psicose. São Paulo: Escuta, pp. 37-77.
Violante, M. L. V. (2001). Piera Aulagnier – uma contribuição à obra de
Freud. São Paulo: Via Lettera