O Cinismo e a Canalhice.

Nós nos achamos sujeitos formidáveis, mas realmente o ser humano só se salva quando chega a conhecer a própria hedionez. É isso que eu procuro quando escrevo: reconhecer a hedionez do ser humano. Para que se desenvolva nele uma série de competências psicológicas e sentimentais que fiquem trabalhando, elaborando dentro do leitor um processo.

(Nelson Rodrigues, Pouco amor não é amor, 2002).

O canalha é o intérprete parasita, o magistrado da fala alheia, o patrão das enunciações, especialista na gestão da impostura e na arte de colocar sua própria enunciação como Outro do Outro. Não é possível dizer a verdade sobre o Real porque neste caso teríamos que estabelecer uma correspondência biunívoca entre a linguagem (dizer) e o mundo (real), bem como localizar um sujeito fora do mundo, lugar de onde ele poderia enunciar a verdade da relação entre o que se diz e o que é.

O canalha é o perverso do amor. Inspira confiança e expira mentiras. O cinismo do canalha introjeta no outro esse poder de sedução e atração fatal. A presa do canalha sempre acha que pode fazer com que ele mude de postura. Devaneio, pois a pessoa apaixonada não consegue encontrar o antídoto para o canalha que é o desprezo. Ele dissimula que não é um canalha/cínico. Esse perfil atua como: o bom homem, carente, atencioso, apaixonado e infeliz. Senão infeliz no aqui e agora, mas na nostalgia do passado. Ele age por instinto, não sabe ser de outra maneira. A sedução faz parte da sua sobrevivência emocional. Ele é um lobo – o outro o cordeiro.

Amigos, cada obra de arte devia trazer a seguinte advertência da censura: – “Imprópria para os canalhas de todas as idades”. Nelson Rodrigues.

O canalha não necessariamente, tem uma beleza atrativa, mas tem um poder de sedução-cinismo que desafia e descontrola corações.

O canalha ardilosamente seduz – e a presa do canalha se encanta – para depois odiar. Ele tem uma imensa falta de escrúpulos. O canalha/perverso não nega a sua ação, mas se considera isento no que tange às consequências. Ele não se sente responsável e nessa conduta chega a se justificar.

Por fim, o canalha é um cínico deslavado. A sua forma de viver funciona como uma agressão. Uma agressão afetuosa. Uma provocação.