TRANSTORNO DO ESPECTRO DO HUMOR BIPOLAR

INTRODUÇÃO

Neste artigo abordaremos o Transtorno do Espectro do Humor Bipolar. O TEHB é um termo usado para identificar humor que varia entre episódios de extrema alegria ou tristeza, sem necessariamente atingir o estado maníaco (“eufórico”) ou depressivo. O chamado Transtorno do Espectro Bipolar não é uma novidade, mas um grupo de pessoas que não respondem exatamente ao modelo convencional bipolar rígido (TBH), apesar de incluírem os mesmos “altos e baixos” e períodos de depressão intercalados com “euforia” (mania), típicos da bipolaridade como é conhecida. Os Transtornos do Espectro do Humor Bipolar são transtornos crônicos, recorrentes e, muitas vezes, com remissão incompleta, potencialmente letais (cerca de 25% dos pacientes fazem tentativas de suicídio e cerca de 20% acabam por completar este intento) e que afetam um grande número de pessoas. 1 Estes transtornos estão associados a grandes custos pessoais e sociais e pelo menos uma proporção de casos é refratária ao tratamento convencional. 2 Os pólos de apresentação sintomática são o pólo da mania e da hipomania (humor eufórico ou irritável, pensamento acelerado com idéias grandiosas, conduta com aumento da atividade motora), o pólo da depressão (humor depressivo, pensamento lentificado, idéias de ruína, conduta com retardo motor), e a apresentação mista (com uma mistura de sintomas maníacos e depressivos).

DA PSIQUIATRIA

Sob o olhar da psiquiatria tradicional, o termo mania designa estados de exaltação do humor, excitabilidade psíquica, aceleração do pensamento, elevação da autoestima e grandiosidade. O termo hipomania descreve estados maníacos de menor gravidade. Por sua vez, melancolia refere-se a estados de depressão grave do humor, lentificação psicomotora, inibição das funções psíquicas, pessimismo, autoacusações, ideias de indignidade.

Nos sistemas classificatórios psiquiátricos contemporâneos esses quadros estão reunidos na categoria diagnóstica dos transtornos do humor (ou transtornos afetivos) e subdivididos em dois grupos: a depressão unipolar e o transtorno bipolar. No primeiro, são observados somente sintomas da série depressiva, enquanto no transtorno bipolar ocorrem sintomas tanto do polo depressivo quanto do polo maníaco, simultânea ou alternadamente, em diferentes combinações. Esses quadros vêm sendo objeto de grande interesse no campo da psiquiatria e frequentemente surgem propostas de mudanças em sua definição. Assistimos, por exemplo, à emergência de conceitos como o espectro bipolar, com a perspectiva de melhorar a capacidade de reconhecimento de condições bipolares e a discriminação dos pacientes que se beneficiariam de intervenções farmacológicas específicas.

DA PSICANÁLISE

A classificação psicanalítica não comporta categorias diagnósticas correspondentes aos diagnósticos psiquiátricos. Ainda assim, neste artigo, procuramos articular algumas concepções psicanalíticas que permitem entender fenômenos descritos pela psiquiatria em relação aos transtornos de humor.

O QUE SERIA, ENTÃO, O ESPECTRO BIPOLAR?

O “temperamento bipolar”, que é a característica definidora e ao mesmo tempo causadora de problemas tão diversos, hoje englobados sob a denominação de Espectro Bipolar. Portanto, para explicar esse quadro é preciso antes esclarecer que todos nós temos um certo padrão de temperamento, mais ou menos estável ao longo da vida. A grosso modo, envolve aquilo usualmente referido como o “gênio” da pessoa. A respeito do temperamento é que utilizamos termos descritivos como “genioso”, “temperamental”, “instável”, “imprevisível”. Fala-se coloquialmente que alguém tem temperamento “inquieto”, “retraído”, “irritadiço”, “pavio curto”, “calmo”, e assim por diante. Temperamento trata, portanto, de características usualmente duradouras e meio que definidoras de o “jeitão de ser” de cada um de nós.

O chamado temperamento bipolar, então, vai muito além do que o nome sugere inicialmente. Ou seja, não engloba somente aquelas pessoas que oscilam o estado de ânimo (humor) entre depressão, tristeza e bem-estar, alegria, euforia. Define antes de mais nada aquelas pessoas de temperamento “forte” – pessoas com vidas intensas, dramáticas, surpreendentes (para o bem e para o mal), instáveis, etc; assim como pessoas ousadas, com energia abundante, “elétricas”, inventivas, de espírito inquieto, ousado, rebelde, aventureiro.

Frise-se que as características descritas até agora e aquelas a seguir, podem estar presentes nas mais diversas combinações e intensidades. Somente se forem características duradouras (não circunstanciais) e se estiverem presentes em determinadas combinações e intensidades, causando prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo é que diremos se tratar de um temperamento bipolar.

Cabe também lembrar que se considera o temperamento uma característica psíquica de natureza fortemente biológica. Portanto, influenciada em grande medida pela herança genética. Por exemplo, “filho de peixe, peixinho é” – está presente e definida já muito precocemente (muitos futuros bipolares já se mostram crianças inquietas, hiperativas, rebeldes, ou então retraídas, isoladas e passivas), apesar de poderem causar problemas só na adolescência ou vida adulta. É determinado pelo arranjo neuronal (células cerebrais) de cada um, por sua “química cerebral” e não é facilmente modificável pelo esforço deliberado. Eis aqui um ponto importante para reflexão.

DOS MEDICAMENTOS ESPECÍFICOS PARA O TRATAMENTO DO ESPECTRO BIPOLAR

Muitas vezes algumas características disfuncionais de personalidade (irritabilidade, instabilidade, impulsividade, alterações inexplicáveis do estado de ânimo, etc) são de fato quase impossíveis de serem modificadas sem a ajuda de medicamentos específicos. Para esses pacientes – do “Espectro Bipolar” – utilizam-se via de regra, os chamados “estabilizadores do humor” (são diversos medicamentos, incluindo alguns mais conhecidos, como lítio, carbamazepina e ácido valpróico, por exemplo). O objetivo é conseguir a harmonia dos “ritmos” neuronais e por consequência evitar as oscilações que estão na gênese de muitos dos problemas descritos. Essas pessoas ficam mais “donas de si”e menos sujeitas a estados afetivos excessivamente intensos e instáveis; menos sujeitas a emoções poderosas que as fazem agir sempre de forma passional, impulsiva, pouco ponderada e às vezes desastrosa.

Esses novos conhecimentos apontam também para outro fato gravíssimo. Essas pessoas, com características bipolares, quando tomam antidepressivos inadvertidamente, podem apresentar uma infinidade de respostas inesperadas, com sintomas incomuns. O antidepressivo, isoladamente, poderá induzir nessas pessoas o agravamento dos sintomas apresentados ou o surgimento de outros problemas novos. A possibilidade de resultados desastrosos não é pequena. E o que é mais grave: via de regra não são identificados como sendo causados pelo uso do antidepressivo. Pensa-se que é apenas um agravamento do quadro inicial. Troca-se o antidepressivo ou se aumenta a dose. O resultado é cada vez pior. Dentro das diversas combinações possíveis, pode ocorrer uma mistura insuportável de sintomas como angústia, desespero, insônia incontrolável, irritabilidade intensa e pensamentos suicidas, por exemplo. Menos desagradável, mas não com consequências menos graves, essas pessoas também podem desenvolver a clássica “mania-euforia”: progressivo aumento de energia, diminuição da necessidade de sono e descanso, aumento da autoestima, da coragem, da desenvoltura social, desinibição, aumento do apetite sexual, etc, que podem levar a pessoa a agir de forma inusual e de forma muito irresponsável e arriscada. Quando passa a crise, a pessoa via de regra diz não ser capaz de explicar “como foi capaz de fazer aquelas coisas”. Denominador comum é que essas pessoas ficam “aceleradas” psíquica e comportamentalmente.

Resumidamente, o conceito de Espectro Bipolar, chama à atenção para a existência de um grupo muito particular de pessoas. São aquelas com temperamento bipolar e, portanto, predispostas a vários problemas. Elas podem adoecer psiquicamente de todas as formas conhecidas, apesar de o fazerem preferencialmente de algumas formas.

CONCLUSÃO

Mas o importante mesmo é nunca se negligenciar que é preciso identificar que tipo de problema está incidindo em que tipo de pessoa. Depressão, por exemplo, não é tudo a mesma coisa; a apresentação sintomática e principalmente a escolha dos medicamentos é muitíssimo diferente, a depender de que pessoa, com qual história e com qual temperamento estamos lidando. É fundamental fazer uma análise em perspectiva e contextualizada. A prescrição abusiva dos hoje tão vulgarizados antidepressivos está sendo uma das responsáveis pelo aumento vertiginoso dos transtornos psiquiátricos. Pessoas com temperamento bipolar ficarão bem com a utilização dos estabilizadores do humor, isoladamente ou em associação com outros medicamentos. Dificilmente apenas com antidepressivos.

A existência desse novo conceito exige grande atualização, atenção e cuidado por parte de quem prescreve medicamentos e bastante esforço de conscientização por parte de todos. Não dá para generalizar ou simplificar demais. Na presença de problemas como os mencionados, o sensato mesmo é procurar um profissional para uma avaliação pormenorizada. Lembrando sempre que cada caso é único e singular. Eis aí o “jeitão de ser de cada um”, a ser analisado por um analista e/ou terapeuta, mas antes de iniciar o processo analítico é necessário primeiro o diagnóstico do psiquiatra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Transtorno Bipolar e Espectro Bipolar – Martins S. Puglia Gustavo Psiquiatra, Título de Especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria – Farmacoterapia dos Transtornos do Espectro do Humor Bipolar: diretrizes e algoritmo – Flávio Milman Shansis e Aristides Volpato Cordioli – Porto Alegre, Artmed, 2005, p.329)
As perspectivas psiquiátrica e psicanalítica sobre os “transtornos de humor” – Adauto Silva Clemente
Ano 4 • Número 12 • novembro 2013 • ISSN 2177-2673