O Sádico e o Masoquista.

Nesse artigo o objetivo é articular a noção de sadismo e masoquismo. Parte-se da hipótese de que as noções de sadismo e masoquismo presentes nos primórdios da obra freudiana indicam uma intuição de Freud a respeito da pulsão de morte, anterior à formulação desse conceito. Psicanálise & Barroco em revista v.9, n.2 : 161-177, dez.2011.

Pontos de vista tradicionais comumente definem que Sadismo e Masoquismo é uma “perversão” onde pessoas têm prazer em atividades sexuais que inflijam dor e/ou humilhação. A pessoa que se excita sexualmente por infligir dor/humilhação é chamada de “sádico”. A pessoa que se excita sexualmente por receber estímulos dolorosos/humilhantes é chamada de “masoquista”. A palavra “perversão” foi originalmente usada dentro da terminologia legal, o equivalente psiquiátrico mais moderno seria “parafilia” ou “desvio sexual” (DSM-IV, ICD-10).

Aqueles que sofreram algum tipo de dor ou frustração e foram submetidos muito cedo, mais provavelmente na infância, se protegem um ferindo e o outro, aceitando o sofrimento que lhe é imposto. Com desprezo ou ameaça, o sádico não consegue amar e é difícil tirá-lo dessa condição. Já o masoquista pode mudar com maior facilidade. Mas é preciso muito empenho para se conscientizar e ter a mesma consideração por si como tem pelo outro.

Quando entre um casal prevalece a dinâmica masoquista e, no outro, a sádica, forma utopicamente, o par perfeito. A questão é que eles não podem celebrar essa perfeição, uma vez que estão aprisionados a seus respectivos sofrimentos.

Vale ressaltar que o que caracteriza o masoquista não é gostar de sofrer. O masoquista escolhe o sofrimento que prefere ter, ou seja, ampara-se no abrigo de um sofrimento conhecido, temeroso de ser dominado por uma dor ainda maior, porém desconhecida. Suas fantasias desastrosas a respeito do outro, da vida e do destino o levam a exercer algum controle sobre essas repetições, mostrando-se inevitavelmente, capaz de suportar frustrações. Com esse movimento, o “outro malvado que infunde medo” é coberto pelo alucinógeno do masoquista, com o qual ele imagina mantê-lo refém.

Na visão psicanalítica o “sadismo” é quase sempre entendido como reação primária e o “masoquismo” como reação secundária ao trauma. O “masoquismo” é secundário no sentido de que o “sadismo” é dirigido para dentro, contra si mesmo. Se a criança tem uma mãe que nega satisfazer suas necessidades, ela pode, quando adulta, procurar vingança em fantasias sádicas e possivelmente realizá-las sexualmente contra mulheres. Sadismo “oral”, “anal” e “fálico” foram postulados. Dessa forma, a vingança pode vir como resultado da angústia de castração na fase edípica (“fálica”). O conflito edípico pode, alternativamente, resultar diretamente em submissão (sendo assim, em masoquismo), como estratégia de fuga. Ele “deixa estar” por desistência.

A compulsão à repetição é notável no pensamento psicanalítico. “Pessoas sádicas” precisam recriar um velho cenário traumático na tentativa e resolver, aqui e agora, o que foi impossível de resolver no passado. Se, por exemplo, a criança foi espancada pela mãe, ela pode precisar repetir esse cenário tendo uma namorada (o) fazendo o mesmo quando adulto. Ou ele pode reverter essa situação espancando e/ou humilhando à sua namorada (o).

Percebemos, portanto, algumas diferenças importantes. O masoquista ao doar-se declara a existência do outro. Esse jeito demonstra sua natureza e sua índole ética e generosa, mesmo quando se considera que ele desonera da reciprocidade e parece sobreviver sem ela. O sádico, ao contrário, não vê o outro como existente, uma vez que de tudo faz para impedi-lo de todo e qualquer tipo de recompensa. O masoquista pode desenvolver por si mesmo consideração semelhante à que ele tem pelo outro. O sádico, excessivamente, não pode desenvolver pelo outro qualquer consideração, porque com isso afirmaria o valor de um objeto prognosticado como muito ameaçador.